terça-feira, 29 de maio de 2012

O Complexo Cultural Luz, em São Paulo, se prepara para mais um projeto diferenciado


Versão atual de uma das imagens conceituais do projeto, representado já com suas dimensões reduzidas. A praça entre o centro cultural e a Sala São Paulo/Secretaria de Estado da Cultura seria espaço estratégico, de acesso e conexão entre as duas edificações
Versão atual de uma das imagens conceituais do projeto, representado já com suas dimensões reduzidas. A praça entre o centro cultural e a Sala São Paulo/Secretaria de Estado da Cultura seria espaço estratégico, de acesso e conexão entre as duas edificações
Luz se prepara para o projeto 343
Março será decisivo para o projeto do Complexo Cultural Luz, que os suíços Jacques Herzog e Pierre de Meuron estão desenvolvendo para a Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo. Devem ocorrer as audiências públicas de apresentação e debate do projeto e, assim, “é provável haver, já em dezembro, alguma movimentação no terreno”, declara o secretário da Cultura, Andrea Matarazzo, confiante na maturidade do trabalho.
A partir de 2013 devem ser três anos de construção e, assim, em meados de 2016, os amantes da música e dança terão à disposição uma espécie de parque tropical habitável, na região central da capital paulista.
A malha de áreas verdes da região da Luz embasa conceitualmente o projeto. Sua linguagem fluida orientou o desmembramento da caixa do teatro em dois volumes paralelos
A malha de áreas verdes da região da Luz embasa conceitualmente o projeto. Sua linguagem fluida orientou o desmembramento da caixa do teatro em dois volumes paralelos
O Complexo Cultural Luz, projeto do escritório suíço Herzog & De Meuron, é um misto de escola e centro de espetáculos, abrigados em um edifício de concreto composto por lajes superpostas e deslocadas em malha ortogonal, totalizando 200 metros de comprimento por 90 metros de largura.
Por três meses acompanhamos a equipe que está desenvolvendo a muitas mãos o Complexo Cultural Luz. Faltam dois ciclos, do total de dez, para a finalização do projeto básico, com o que se pretende pré-qualificar as construtoras e planejar o edital da obra.
Herzog, De Meuron e Ascan Mergenthaler, sócio do escritório suíço, trabalham em sincronia com os seus parceiros de engenharia, acústica, instalações, eficiência energética, estrutura, fachada e paisagismo, entre os quais figura o time brasileiro que dá o suporte local e interfere nas decisões de projeto.
Está a cargo da inglesa TPC - Theatre Project Consultants a consultoria de teatro, e aos conterrâneos da Arup os projetos de estrutura, sustentabilidade e instalações, desenvolvidos em parceria com os brasileiros da Contag (fundações), Favale (estrutura), L&M (instalações), Proassp (impermeabilização) e Empro Engenharia (elevadores).
Já os alemães da Mueller- BBM concebem a acústica e os sistemas de fachada em conjunto com a consultoria local de Paulo Duarte e Harmonia Acústica, enquanto os cariocas de Bernardes e Jacobsen Arquitetura tropicalizam o projeto arquitetônico e Isabel Duprat concebe o paisagismo.
Todos coordenados no Brasil por José Luiz Canal, o engenheiro- -arquiteto que esteve à frente da obra da Fundação Iberê Camargo, de Álvaro Siza, em Porto Alegre. “Nossa tarefa é a da construção com alto padrão e excelência técnica.
Este modelo simula a interação dos fluxos na rampa central do complexo cultural
Este modelo simula a interação dos fluxos na rampa central do complexo cultural
As salas de aulas deverão ter fechamentos envidraçados, com generosa iluminação natural e vista para um dos jardins propostos no projeto paisagístico
As salas de aulas deverão ter fechamentos envidraçados, com generosa iluminação natural e vista para um dos jardins propostos no projeto paisagístico
Conceitualmente, o projeto é o somatório de lâminas sobrepostas e entrecruzadas
Conceitualmente, o projeto é o somatório de lâminas sobrepostas e entrecruzadas
Se a Fundação Iberê Camargo é um relógio que funciona bem, é porque teve um time competente”, ele analisa. Simultaneamente ao projeto paulista, estão nas pranchetas deste time de consultores projetos arquitetônicos e urbanísticos na Ásia, Europa e Américas.
A cada etapa corresponde a aprovação pela Secretaria da Cultura, refinando-se passo a passo não apenas a efetivação do conceito arquitetônico, como também os preparativos para a construção com tecnologia nacional.
Programa consolidado
As imagens a seguir refletem o estado atual do projeto, consolidada a revisão do programa que ocorreu no final de 2010.
Reduziu-se a área construída de 90 mil para 70 mil metros quadrados e “o projeto respirou, reconquistando a transparência e a permeabilidade do conceito arquitetônico”, analisa Matarazzo.
O programa atual contempla a criação de três teatros - o de dança, o experimental e o de recital, respectivamente com capacidade para 1.750, 400 e 500 espectadores -, as instalações das sedes da Escola de Música Tom Jobim e da São Paulo Companhia de Dança, além de áreas sociais, administrativas, técnicas e estacionamento para 850 veículos.
É intensa a agenda de entregas e reuniões remotas do time de projeto, entremeadas por workshops realizados no escritório Herzog & De Meuron na pequena cidade suíça de Basel.
A sede do estúdio e os escritórios-satélites de Nova York, Madri, Hamburgo e Londres (estuda-se a possibilidade de criação de uma unidade em São Paulo quando começar a construção na Luz) reúnem os 356 profissionais vindos de vários continentes e organizados nos grupos dos cerca de 40 trabalhos que estão em desenvolvimento atualmente. Deles, o número 343 é o que identifica o projeto de São Paulo.
A sala de trabalho 343 é a própria memória do projeto. Há maquetes sobre mesas, armários e nichos suspensos e as paredes de livre acesso são tomadas por impressos de diagramas, plantas, planos de massa, programas, cortes e todo tipo de imagem relativa aos assuntos em discussão em cada fase do trabalho.
A dupla de impressos e modelos funciona, então, como extensão da atuação individual de cada membro da equipe, sempre à mostra, a fim de revelar o estado do projeto.
Perspectiva aérea na longitudinal do complexo, localizado no centro da imagem. O edifício é paralelo à Sala São Paulo/Secretaria de Estado da Cultura, contrastando a linguagem oitocentista desta e a fluidez do novo complexo cultural
Perspectiva aérea na longitudinal do complexo, localizado no centro da imagem. O edifício é paralelo à Sala São Paulo/Secretaria de Estado da Cultura, contrastando a linguagem oitocentista desta e a fluidez do novo complexo cultural
Esta maquete 1:200 simula as ideias do projeto paisagístico na etapa atual de desenvolvimento do trabalho. Árvores altas e esguias no interior da edificação fariam frente à malha intrincada de pés-direitos distintos, enquanto as de grande porte, nas bordas transversais do complexo, filtrariam as visuais e acessos
Esta maquete 1:200 simula as ideias do projeto paisagístico na etapa atual de desenvolvimento do trabalho. Árvores altas e esguias no interior da edificação fariam frente à malha intrincada de pés-direitos distintos, enquanto as de grande porte, nas bordas transversais do complexo, filtrariam as visuais e acessos
Vistas conceituais do projeto desde as ruas envoltórias
Vistas conceituais do projeto desde as ruas envoltórias
O material está organizado em grupos, que correspondem aos vários subprogramas do centro cultural - os teatros, as escolas de música e de dança, os espaços públicos, o paisagismo, os elementos e os sistemas arquitetônicos.
“Temos equipes para esses programas e cada arquiteto passa muito tempo testando com os modelos as ideias propostas. Nossas maquetes servem como instrumento de precisão, não para criar formas imediatamente”, relata Tomislav Dushanov, um dos líderes do projeto.
O processo sequencial de trabalho, então, ganha traço orgânico, porque as decisões de cada etapa interagem de tal forma que o projeto é ajustado, intelectualmente, a todo momento.
A sedução dos teatros
“Teatros são edificações instigantes, misto de ciência, arte, arquitetura e tecnologia”, reflete David Staples, um dos líderes da TPC em Londres.
Refazendo os passos de cerca de quatro décadas dedicadas à profissão, com 56 países na rota de trabalho, ele contabiliza milhares de teatros de drama pelo mundo, centenas de salas de concerto, muitas casas de ópera, mas poucos teatros de dança, como o que se pretende construir em São Paulo. Acontece que o campo de visão é mais restrito no teatro de dança.
Quanto mais frontal e em menos desnível o espectador estiver em relação aos bailarinos, melhor; e a acústica deve privilegiar o som natural em detrimento do amplificado, para haver o equilíbrio entre o que se ouve e o que se vê.
Demandas desse tipo é que tornam ambicioso o projeto paulista, sobretudo quando se pensa no elevado grau de exposição e transparência da arquitetura que Herzog & de Meuron conceberam. “Será um ícone sul-americano”, opina o secretário Andrea Matarazzo.
Foi da janela da sala do então secretário da Cultura, João Sayad, que em 2008 Staples vislumbrou pela primeira vez o terreno de 18 mil metros quadrados reservado ao complexo cultural, na época ocupado por edificações de pequeno porte e pela galeria de comércio popular que nos anos 1990 se instalou na sede da antiga rodoviária de São Paulo. Deles, resta atualmente apenas o prédio do Corpo de Bombeiros, quase no centro do lote plano.
Rememorando o início do projeto, Staples assinala que há sempre uma pressão artística para manter o teatro o menor possível - “porque teatros são locais de comunicação intimista” - e outra, comercial, para fazê-lo maior.
Axonométrica de distribuição dos teatros
Axonométrica de distribuição dos teatros
A. Teatro de dança
B. Teatro experimental
C. Recital
Axonométrica assinalando os espaços da escola de música
Axonométrica assinalando os espaços da escola de música
Axonométrica com os espaços da companhia de dança
Axonométrica com os espaços da companhia de dança
Vistas conceituais do projeto desde as ruas envoltórias
Vistas conceituais do projeto desde as ruas envoltórias
Ele continua “entusiasmado com a complexidade intelectual” do projeto de São Paulo, com a autoridade de quem está no processo desde o planejamento estratégico, passando pela eleição dos arquitetos - Norman Foster, Rem Koolhaas, Cesar Pelli e Herzog & De Meuron foram entrevistados e elaboraram propostas para o complexo cultural -, elaboração do intrincado programa e, agora, o acompanhamento do seu estabelecimento pela arquitetura.
No fim de uma tarde ensolarada de novembro passado, com a avenida Paulista tomada por passeata estudantil, Staples iniciou a conversa sobre o projeto do complexo da Luz elogiando o desempenho de Jacques Herzog na palestra da manhã anterior, no Auditório Ibirapuera, para plateia predominante de estudantes de arquitetura.
“Jacques foi um excelente ator, com excelente script”, sentencia Staples, referindo-se à opção do suíço de falar sobre a fatura do seu trabalho através dos projetos de três pequenos pavilhões.
Toda a complexidade de um Pritzker implícita em imagens de aparente simplicidade foi momento marcante para Staples: “Acredito que, dos star architects, Jacques e Pierre são os mais próximos de não terem estilo”, ele conclui.
Simplicidade complexa
No caso do projeto paulista, a ausência de estilo (formal) se dá pela recusa à criação de um objeto coeso, escultórico. Não há ícones à mostra, não há malabarismos formais ou excentricidades tecnológicas, nem mesmo saltam aos olhos, em meio à cidade, os volumes dos teatros.
Na análise de Thiago Bernardes trata-se, antes, da visão estrangeira de um parque tropical, verde, transparente e vazado, habitado ainda pelas escolas, conjunto de teatros e facilidades do centro cultural.
O raciocínio conceitual é que há no bairro da Luz uma centralidade urbana (cultural e paisagística) que pode ser revelada materialmente, e o projeto, com sua morfologia de escola-parque ou bloco pavilhonar sem muros, mimetiza essa relação especial do construído com a massa verde, latente na área.
O edifício sem fachadas é apreendido como balcões soltos e suspensos, visíveis da rua em meio às copas das árvores.
Assim, se o programa não é o de um teatro ou uma escola isoladamente, mas de um conjunto deles, não há hierarquia primária a se comunicar com a arquitetura.
Elege-se, ao contrário, uma sensação do lugar - vazado, verde, transparente e de conexão entre edifícios de programas compatíveis -, que está na origem do conceito do projeto.
Embora as lajes sobrepostas e deslocadas entre si percorram todo o limite do terreno, não há a contrapartida de um prédio monolítico de concreto, algo semelhante a um exemplar modernista corbusieriano.
Na via oposta, a arquitetura fluida resulta da ausência de fachadas e dos vazios criados pelos balanços e afastamentos entre lajes, tanto nas bordas quanto no interior da edificação.
É desse espaço vazado e da malha intrincada de pés-direitos - que variam de quase três a 15 metros - que tira partido o projeto paisagístico de Isabel Duprat, com o qual se pretende enquadrar com jardins cada janela das salas de aulas.
Cerca de duas centenas de árvores e forrações com texturas inspiradas na mata tropical estão sendo consideradas para o projeto, além de espelhos d’água que, no térreo, pretendem refletir a luz natural que atravessa as aberturas das lajes de cobertura.
O paisagismo está estruturado em faixas nas bordas do edifício que se destinam tanto à integração da arquitetura com o eixo verde da Luz quanto à transição dos domínios públicos para os semipúblicos.
Já nos interiores, um jardim transversal, com dez metros de largura, vai demarcar a rampa suspensa e central que terá a função de ordenar os fluxos.
Planta esquemática do 2º pavimento
Planta esquemática do 2º pavimento
1. Teatro de dança / 2. Teatro experimental / 3. Foyer
4. Rampa central (spider) / 5. Sala de ensaios de orquestra
6. Recital / 7. Praça suspensa da escola de música
Planta esquemática do 3º pavimento
Planta esquemática do 3º pavimento
1. Área da companhia de dança / 2. Área da escola de música
3. Vazio
Uma das imagens impactantes do complexo é justamente a da lâmina contínua e transversal com que a rampa se projeta no ambiente externo. Suas dimensões, traçado e conexão com os foyers dos teatros e áreas de ensaio de dança e música indicam que a rampa, além de elemento distribuidor de fluxos, deverá funcionar como importante ambiente interno de estar, suspenso, a partir do qual se pode visualizar toda a complexidade de organização do programa.

Os teatros, distribuídos em implantação triangular, cada qual próximo a uma face do edifício, são envolvidos pelas instalações das escolas, áreas de entretenimento, estar, administrativas e técnicas, devidamente afastadas entre si de modo a preservar a fluidez, a transparência e a simultaneidade de atividades.

Numa das maquetes 1:200, por exemplo, as salas de ensaio estão representadas por invólucro transparente, mas o que está em processo nesse momento é a eleição da materialidade de cada superfície interna de vedação.

Há múltiplas visuais inter- -relacionadas, pois os recuos entre lajes geram vazios que explicitam a totalidade do programa no domínio interno, de modo que a simples aparência conceitual tenha em contrapartida uma intrincada rede de articulações que desafiam a engenharia e a arquitetura.

É essa complexidade que mantém engajados todos os membros da equipe do projeto.


Texto de Evelise Grunow
Publicada originalmente em PROJETODESIGN
Edição 385 Março de 2012


Fonte: Arco Web

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